TEXTO DE APOIO DA UTOPIA
Para criar a desenvolver o projeto da São Paulo Inteligente, foram estudadas quatro vertentes: Cidade; São Paulo; Utopia; Smart City.
CIDADE
A cidade é uma obra coletiva que desafia a natureza, criando uma nova relação com a própria natureza. Essa ação é fruto do processo de sedentarização do homem, que passa a ter de garantir domínio contínuo sobre um determinado território para fixar-se e assim poder desenvolver a agricultura. (ROLNIK, 2004)
Em seus primórdios, a cidade tem relação direta com o divino. O templo foi a primeira forma de união, do coletivo. Atraia um grupo de pessoas para o mesmo espaço com o objetivo de fazer cerimônia aos deuses. E essa construção do local cerimonial equivale a uma grande transformação da maneira como o homem ocupa o espaço. (ROLNIK, 2004)
As primeiras cidades são as cidades dos deuses e dos mortos, que precedem a cidade dos vivos. Ao se sedentarizar, os humanos se colocam no lugar dos deuses, se tornando os criadores e não só mais a criatura. Começam a transformar o espaço e não só mais conviver nele.
Esse momento é relatado na Bíblia, com a Torre de Babel. Os descendentes de Noé resolvem se fixar e construir uma cidade com uma torre que deveria chegar até os céus. Deus vê esse ato como uma tentativa dos seres humanos de se tornarem deuses, e tal ganância resulta em um castigo: “as línguas se embaralham, as nações se dividem”. (ROLNIK, 2004, p. 8)
No entanto, os primeiros traços de organização do que futuramente seria a cidade, não alteravam somente a relação do homem com o espaço, mas sim dos indivíduos entre si. Para erguer os primeiros templos foi necessária uma divisão de trabalho. Dessa forma, a punição divina impossibilitou a comunicação entre os homens, o que impediu que essa organização fosse feita, inviabilizando a realização de uma obra coletiva.
A organização da vida social para gerir a produção coletiva é um elemento essencial para o funcionamento de uma cidade. Na cidade, até mesmo o indivíduo que está em seu apartamento ou dentro de um automóvel é percebido como um fragmento desse coletivo. (ROLNIK, 2004)
Para que essa convivência em massa seja coordenada, a cidade utiliza reguladores, como faixas de pedestre, catracas e semáforos, que orientam o fluxo das pessoas, permitindo ou bloqueando seu movimento e, assim, formando caminhos que devem ser seguidos. E esses percursos também marcam a existência de espaços públicos.
Mesmo numa cidade perdida nos confins da história ou da geografia há pelo menos uma calçada ou praça que é de todos e não é de ninguém (...) há sempre na cidade uma dimensão pública da vida coletiva a ser organizada. (ROLNIK, 2004, p. 20)
A presença desses espaços coletivos pede por uma organização da vida pública. Com isso surge uma autoridade política do poder urbano, encarregada de gerir esses ambientes. E mesmo que a relação morador/ poder urbano varie em cada caso, a origem da cidade significa tanto a organização territorial, quanto uma relação política. O indivíduo que ocupa a cidade só se torna morador quando participa da vida política, ocupando o espaço urbano.
Para os gregos: polis, para os romanos civitas. Ambas as palavras se referem a espaços da cidade, mas quando colocadas no senso comum, são usadas para se referir a participação dos cidadãos na vida pública.
Nas cidades começam a surgir centros onde a população se une (grandes praças). esse processo de centralização também pode ser visto como uma mudança do pensamento humano, se afastando do poder das divindades (nos templos), para se aproximar do mundo dos homens.
Quando falamos de cidade, falamos de um tipo de espaço que, ao concentrar e aglomerar as pessoas, intensifica as possibilidades de troca e colaboração entre os homens, potencializando sua capacidade produtiva. Essa estrutura só é possível com a divisão de trabalho. (ROLNIK, 2004)
Sozinho e isolado, o indivíduo necessitaria produzir todo o necessário para sobreviver. No entanto, quando organizados em grupo, eles passam a poder se especializar em um tipo de produção e, por meio de um sistema de trocas, adquirir os demais produtos necessários para sua sobrevivência. Com esse movimento, surge o mercado e uma divisão de trabalho para além do campo/cidade. Agora os indivíduos possuem funções específicas dentro do espaço urbano.
Porém a relação entre o campo e a cidade também se altera nesse contexto. Isso porque a cidade deixa somente de ser palco da classe dominante para se tornar base de produção, enquanto que o camponês também se torna consumidor. (ROLNIK, 2004).
A princípio, esses mercados surgem localmente, mas com o tempo cidades autônomas passam a ser politicamente unificadas. De pequenas vilas a grandes impérios. Com isso, uma expansão mercantil vai se desenvolvendo. A ampliação desse mercado possibilita mais especializações dentro do sistema de produção e, por consequência, maior diversidade de produtos.
Essa organização espacial também expressa a hierarquia, em que ocupam a posição central indivíduos de grande porte social - como reis, sacerdotes, guerreiros e escribas - enquanto que os artesãos, empregados, camponeses e escravos ocupam os arredores, ou “periferias”, desses centros. A grandiosidade do palácio ou do templo não só representa essa hierarquia, mas também constitui sua razão de existir. Com isso, a formação da cidade pode ser confundida com a diferenciação social/ centralização do poder. (ROLNIK, 2004)
Ao nos direcionarmos ao presente, podemos perceber uma mudança de perspectiva. Nas grandes metrópoles esses centros já não existem mais. Cidades sem centros - como Los Angeles e Tóquio -, ou multicentradas - como Nova York e São Paulo -, vão aparecendo cada vez mais no cenário atual. Poderia isso indicar a emergência de um novo poder urbano, descentralizado?
A resposta é um paradoxo. Esse poder nunca esteve tão centralizado. Mesmo que a centralização física não seja mais necessária no processo de gestão, os desenvolvimentos tecnológicos, ferramentas como satélites, computadores e imagens de vídeo, tornam o poder urbano cada vez menos visível, travestido em emissão eletrônica desprovida de dimensões espaciais. Desta forma, essa estrutura invisível se torna cada vez mais fortificada e hierarquizada, mesmo sem a presença de um espaço fisicamente centralizado.
Nesse contexto de evolução e transformação da cidade ao longo da história, é fundamental examinar como essas dinâmicas se manifestam em metrópoles contemporâneas. Um exemplo notável é São Paulo, uma cidade que, apesar de sua vastidão geográfica, enfrenta desafios de descentralização e reconfiguração de poder urbano, assim como outras metrópoles globais. Portanto, ao analisar as mudanças na organização e centralização das cidades, São Paulo serve como um estudo de caso interessante para compreender a complexidade das questões na contemporaneidade.
SÃO PAULO
A cidade de São Paulo ocupa uma área de 1.523,3 km2 e possui 12.005.755 habitantes (dados do SAEDE de 2022). Como afirma Fernando Reinach em seu artigo “Os trouxas de Cerqueira César” (2023), isso se reflete não somente nas questões macro (como econômicas, entre cidades, etc), mas também no próprio convívio entre os moradores.
Na crônica ele descreve como a região de Cerqueira César, se tornou um dos pontos favoritos dos paulistanos para se morar, com comércios locais, diversidade e vida urbana comunitária, no meio da maior cidade do país. Segundo o autor, trata-se de um bairro onde “você conhece os comerciantes pelo nome”, pode comer tanto em um dos restaurantes mais caros de São Paulo como pedir um prato feito no boteco da esquina. Um bairro considerado bem localizado, perto do centro e da agitação da cidade, mas que oferece o conforto de um bairro familiar. No entanto, o que é pontuado por Reinach, é que toda essa atratividade do bairro despertou o interesse de diversas construtoras a investir no local.
A construção de novos prédios está resultando na demolição dos imóveis que abrigam os pequenos comércios, bares e restaurantes. Assim, os compradores desses novos apartamentos se admiram e se entusiasmam com a vida que potencialmente terão em Cerqueira César. Não percebem que os corretores imobiliários vendem um sonho que não será entregue, pois as torres de apartamentos em construção destroem o bairro como é hoje. Esse não é um caso isolado, pois mais e mais bairros de convivência coletiva estão sendo destruídos pelo capital imobiliário, tornando São Paulo um ‘grande Morumbi’. (REINACH, 2023)
Sempre foi assim. São Paulo sofreu grandes transformações ao longo de sua história. A cidade passou em menos de 30 anos, de um pequeno centro comercial inserido em um país escravocrata, para a maior cidade de produção industrial do país.
Na passagem do Império para a República ocorreu um processo de redefinição da organização social da cidade. Sua espacialidade durante o século XIX era definida por claras demarcações entre os grupos sociais. A ocupação do espaço urbano expressava as relações de dominação, associando o uso da força física com um discurso pseudocientífico etnocêntrico a partir do qual se legitimava a exclusão.
A partir da abolição, a mão de obra que antes vivia dentro do território do senhor de escravos, agora se apresenta como trabalhador livre. “Se não há mais senzalas ou chibata então é preciso submeter os indivíduos a uma determinada ordem, onde não lhes restasse outra alternativa se não a venda de sua força de trabalho” (ROLNIK, 2004, p. 76).
No entanto, a grande massa de operários que passa a ser a força de trabalho nas novas fábricas que se instalam na cidade não se constitui dos ex-escravizados mas de pobres europeus migrantes. A escolha de contratar esses trabalhadores se deu tanto por uma razão econômica, uma vez que o Governo da Província que financiou a vinda desses imigrantes, mas principalmente por uma questão ideológica. Os donos de terra viam esses europeus como uma “mão-de-obra civilizada”, dado que, mesmo com a abolição da escravidão, seu “arcabouço ético-políticos se manteve no discurso da classe dominantes da Primeira República (1889 - 1930), para justificar seu exercício cotidiano de poder e suas ações repressivas a determinados indivíduos ou grupos sociais”. (ROLNIK, 2004)
As mudanças na organização social também resultaram em grandes transformações no espaço urbano de São Paulo. A abolição da escravidão e o fluxo de imigrantes europeus para a cidade estabeleceu espaços de moradia e vivência novos na cidade. Os trabalhadores operários fabris, na sua maior parte imigrantes, habitavam bairros às margens das ferrovias. Regiões de várzeas pantanosas e inundáveis, como os atuais bairros do Brás, Bom Retiro e Barra Funda, eram grandes labirintos de cortiço, onde se localizava a maior parte dos trabalhadores pobres e desempregados.
O cortiço era temido. Era de onde vinham as doenças e todos os maus da cidade. Ou pelo menos era como a classe dominante enxergava. O cortiço era considerado um perigo para a cidade e seus moradores, tido como “bárbaros” ou “não civilizados” e, em razão disto, deveriam seguir regras especiais. Foram então criadas instituições de controle voltadas para a detenção ou reabilitação dos indivíduos que não se encaixavam na lógica do poder urbano. Também buscavam mudar o cortiço e o enxergavam como um “caso especial” em que medidas especiais deveriam ser tomadas, como por exemplo isenção fiscal para empreendedores que a transformassem em uma vila: “Do ponto de vista do poder urbano, a vila seria identificada como pobre, porém mais organizada, decente e ordeira e, portanto, menos perigosa do que o cortiço”. (ROLNIK, 2004, p. 82)
No entanto, por mais que as leis fossem moldadas pelo poder urbano, não eram necessariamente seguidas. A prática do “pedaço” é que era de fato seguida, pactuada pelo grupo que estava vivendo nesse espaço. Desta forma, a prática popular subvertia o regramento urbano formal, impondo a regra popular. E, por mais que a regra da classe dominante estivesse espalhada por toda a sociedade, as especificidades de cada classe é que se mantinham, mesmo indo na contramão da Lei.
Com isso, São Paulo se tornava cada vez mais uma cidade com um tipo de “apartheid” não escrito, mas funcionando na prática. Diferente do Rio de Janeiro, que possui subúrbios, São Paulo tem a periferia. O poder urbano afasta o que não quer ver e com isso surgem os condomínios fechados e as favelas, sempre separados, se não pela distância, por grandes muros.
As primeiras favelas apareceram no início dos anos 40. Elas foram sendo formadas em terrenos que ficavam perto do centro de São Paulo, normalmente em áreas públicas, que não eram utilizadas pelo governo. Migrantes que vinham das mais diversas regiões do país, em busca de emprego, depois de algumas semanas sem renda, com seus recursos esgotados e ter onde morar, acabavam erguendo barracos nesses terrenos. (BONDUKI; KOWARICK, p. 108 - 111)
No entanto, a grande transformação da cidade de São Paulo ocorreu a partir da década de 50. Com a intensificação do processo de industrialização, a grande metrópole atraia diversos migrantes do país com suas promessas de emprego e uma vida melhor. Com isso, em dez anos (1940 para 1950), a cidade de São Paulo cresceu 65%, reflexo do crescimento populacional e da influência econômica e política. (WEFFORT, 1978)
Com esse aumento demográfico acelerado, surgiu a necessidade de novas moradias, o que constituiu uma nova forma de morar, específica de São Paulo: as novas periferias. (DURHAM, 1988, p. 173 - 175)
UTOPIA
Essas vertentes de uma São Paulo melhor surgem em meio a um cenário de desconforto, em que o ser humano busca a força a partir do descontentamento. “Essa força pode ser chamada de esperança. Esperança de que aquilo que não é, não existe, mas pode vir a ser” (COELHO, 2018)
As expressões utopia e distopia são frequentemente citadas em contextos narrativos, servindo como polos opostos que exploram as possibilidades extremas do futuro da sociedade humana. Enquanto a distopia apresenta cenários sombrios de sociedades decadentes, marcadas por opressão, desigualdade e desespero, a utopia representa a busca por um mundo ideal, onde a harmonia, a justiça e a felicidade reinam.
A discussão sobre utopia e distopia nos oferece uma visão fascinante dos extremos da imaginação humana em relação ao futuro. Assim, vamos adentrar na discussão sobre o nascimento e a realização das utopias, explorando os elementos-chave que as compõem e a visão de como poderíamos construir um mundo ideal.
A utopia é um ato de imaginação, que pode ser vista como uma forma de sonhar. Mas sonhar apenas não basta. Porque esse sonho se move em meio a um sentimento de contestação que gera a vontade de fazer algo. De acordo com o autor Teixeira Coelho (2018) em seu livro “O que é Utopia?”, a imaginação necessária para concretizar o que está destinado a existir não é uma imaginação comum, que se baseia apenas nos desejos e interesses individuais. Ela deve ser mais exigente, capaz de se estender o presente existente em direção ao futuro das oportunidades, de forma a entender esse futuro como uma extensão do presente, que pode ser aprimorado. Assim, utopias e distopias também são expressões da época em que são elaboradas.
Além disso, essa imaginação não é delirante. Por mais que se oponha ao olhar realista, ela tem sua base fundamentada na realidade, com uma visão antecipada do futuro desejado. Isso porque, por mais que ela possua elementos subjetivos, sua estrutura está embasada em elementos sociais e de seu período, além de ela ser propositiva no sentido de que aquilo pode acontecer se isso for desejado pelo homem. Mas, por mais que esse objetivo seja alcançado, haverá sempre um excedente utópico que buscará por elementos de melhora.
A imaginação utópica é inerente ao homem, é algo interior a ele, de seu íntimo. Ela aparece ao longo da história em diferentes formas. Seja nas sociedades primitivas, com lendas e crenças, seja nas sociedades históricas, com pensamentos religiosos que carregam ideias de paraísos a serem alcançados.
“Um erro relativamente comum é desprezar o pensamento religioso como fonte de imaginação utópica (...). Muitas das propostas vinculadas (..) ao pensamento sagrado - dirigem-se para objetivos não concretos e realizáveis quanto os defendidos pelas grandes utopias nascidas posteriormente entre as sociedades ditas civilizadas” (COELHO, 2018, p. 15).
O surgimento da expressão ‘utopia’ aparece pela primeira vez no livro de Thomas More de 1516 “A Utopia”. O livro descreve uma ilha em que seus moradores possuem uma vida melhor em um lugar melhor: a ilha de Utopia.
No entanto, e não por acidente, a raiz etimológica da palavra ‘utopia’ vem de ‘ou-topos’, que significa ‘não-’lugar’ ou ‘lugar nenhum’. Com isso, o autor intende destacar como, aqueles que se opõem a realização plena do ser humano, buscam sempre reprimir a imaginação utópica.
Mas qual é o objetivo da imaginação utópica? A forma mais comum de expressão dessa imaginação tem sido a criação de utopias políticas. Isso significa que, principalmente, busca-se a criação de uma vida diferente fundamentada em uma reorganização política da sociedade, apoiada em estruturas sociais novas.
Elas podem reivindicar direitos iguais entre os gêneros, que todos trabalhem da mesma forma e com os mesmos direitos, que não haja dinheiro ou que ninguém passe necessidades. Ou todas as alternativas e mais. Sejam quais forem as demandas, não são assuntos novos.
Outra utopia a ser destacada é a República de Platão. Platão acreditava que o sistema político ideal deveria ser regido por filósofos. O que indica a necessidade do conhecimento para a administração da cidade. Além disso, para ele os cidadãos seriam movidos a seguir as leis não por receio a punição, mas sim porque acreditaria que estaria fazendo o certo e que a plena realização só aconteceria se todos a seguissem. Assim, a equidade surgiria a partir do equilíbrio entre as vontades, aspirações e lógica pessoal do indivíduo.
Tanto a República, de Platão, quanto a ilha de Utopia, de Thomas More, são perfeitos exemplos do arquétipo da utopia política e são importantes modelos que servirão de base para diversas utopias futuras.
Outro elemento presente em ambos os universos é a retomada de elementos passados que se foram perdidos, por vez uma “era de ouro” de um passado idealizado. Isso demonstra como uma utopia, diferente de um mero sonho abstrato, possui uma dimensão de concretude. Ela se baseia em exemplos da história, que, de certa forma, também são forças contraditórias da realidade.
Em resumo, a utopia é uma manifestação da imaginação humana que vai além do simples sonho, exigindo ação e transformação da realidade. Ela se baseia em uma visão antecipada de um futuro desejado, ancorada na realidade e muitas vezes se manifesta na fama de utopias políticas, buscando reorganizar a sociedade e alcançar objetivos como igualdade de gênero, justiça social e bem-estar para todos. Exemplos clássicos, como a República de Platão e a ilha de Utopia de Thomas More, ilustram a influência duradoura da imaginação utópica na construção de modelos sociais ideais, enquanto resgatam elementos do passado perdido para concretizar seus ideais. Assim, a utopia representa um impulso humano intrínseco em direção a um futuro melhor e mais justo.
SMART CITY
O ato de refletir sobre um futuro melhor também influencia em ações reais. As utopias, da mesma forma que são inalcançáveis, movem a sociedade a se tornar melhor pois criam um esperança de mudança positiva. Desta forma, entre os possíveis futuros a serem alcançados surge a smart city.
O conceito surgiu aparecendo de cidade em cidade em busca de contextos que abraçassem e conhecessem seu valor. No entanto, ao adentrar na genealogia do termo, sua origem aparece na tentativa de inovação de grandes empresas de tecnologia, para um universo além do tradicional de hardware e software. Esse é o caso da IBM, que buscando adentrar em outras vertentes da tecnologia, começou a investir nas necessidades de otimização, dos setores públicos e privados. Com sua narrativa de construção de um planeta “mais inteligente”, trouxe o smart para o meio dos negócios, chegando até a patentear o termo (smart cities). (MOROZOV, 2019)
A expressão foi se espalhando e começou a ser utilizada de diversas formas, de modo que não existe um consenso entre quais são as definições ou exigências básicas para tornar uma cidade ‘inteligente’. Ainda assim, existem algumas características frequentemente utilizadas nesse contexto, formando a aura da Smart City.
De acordo com a apostila “Smart Cities: Transformação digital de cidades” da Faculdade Getúlio Vargas, existem quatro elementos mínimos para que uma cidade seja considerada inteligente. O primeiro é possuir uma perspectiva integrada, não considerando tornar apenas algumas áreas da cidade em inteligentes de forma isolada, mas sim uma gestão que coordene de maneira transversal e abrangente os assuntos urbanos.
Ela também deve considerar o smart o caminho para alcançar elementos que beneficiem o espaço urbano, e não a conquista por si só. A tecnologia também deve ser vista como fator essencial, que possibilita que as informações sobre cidadãos e organizações se transformem em inteligência de dados. No entanto, é necessário destacar que o digital por si só não faz uma cidade inteligente, ele deve ser usado integralmente, de forma a transformar as relações que envolvem a cidade.
Por último, ela também altera os modelos de relação existentes, sejam econômicos ou sociais, alterando a dinâmica entre os atores de uma cidade, ou seja, dos cidadãos, empresas, órgãos públicos e até entre cidades e outras esferas territoriais. (FGV, 2016)
Além desses elementos, normalmente um projeto de uma Smart City é pensado em seis diferentes vertentes de organização da cidade. Sendo elas: meio ambiente, mobilidade, cotidiano (segurança e saúde), educação, economia e governança, ou, como apresentado no curso “Smart and Sustainable Cities: New Ways of Digitalization & Governance” do programa Erasmus Plus: Smart Environment, Smart Living, Smart Mobility, Smart People, Smart Economy e Smart Governance.
Cada um desses elementos representa uma área vista como essencial na concepção de uma cidade, e, ao transformá-las de forma conjunta, estaríamos presenciando uma cidade inteligente. A seguir serão apresentadas a concepção dessas seis vertentes da cidade a partir do livro “Cidades Inteligentes” da Faculdade Getúlio Vargas:
O carácter sustentável é recorrente em praticamente todos os projetos de Smart City. Seu principal objetivo é garantir a sustentabilidade ambiental das cidades, que são grandes fontes de impacto devido ao seu consumo de água, energia, matérias-primas e produção de resíduos e poluição. Isso envolve a implementação de energias renováveis, sistemas inteligentes de medição de consumo de energia e água, redes inteligentes para o fornecimento de utilidades, monitoramento e controle da poluição, renovação de edifícios e infraestrutura urbana, planejamento urbano sustentável e práticas eficientes de reutilização e reciclagem de recursos. Além disso, inclui a prestação inteligente de serviços de iluminação pública, gestão de resíduos sólidos urbanos e gestão abrangente do ciclo da água.
A segunda vertente é a voltada para a mobilidade. Como apresentado no livro da FGV, a tecnologia é usada dentro dessa área para criar um sistema de transporte integrado, eficiente e ecologicamente sustentável. Esse sistema engloba diversos meios de transporte, como ônibus, bondes, trens, metrôs, bicicletas e pedestres, promovendo a transição para opções de transporte limpas e não motorizadas. Informações em tempo real são fornecidas aos usuários para facilitar as conexões e reduzir a pegada de carbono. Além disso, são desenvolvidas infraestruturas urbanas para apoiar esses sistemas, como estacionamentos, estações de serviço e dispositivos de carga para carros elétricos. A tecnologia também é usada para melhorar o serviço e receber feedback dos cidadãos, contribuindo para um planejamento mais eficiente dos serviços de transporte.
No contexto de Smart Living, ou ‘vida inteligente’, são abordados os assuntos de segurança, saúde e cultura. As cidades inteligentes devem criar ambientes seguros, proteger infraestruturas e áreas sensíveis, além de serem capazes de responder eficazmente a emergências. A União Europeia aborda como as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) influenciam o estilo de vida, consumo e comportamento nas cidades, promovendo um modo de vida saudável e seguro. No caso do Brasil, a preocupação com a segurança social dos cidadãos contra diversas formas de violência também é destacada, embora seja uma responsabilidade dos governos estaduais. Isso inclui serviços de videovigilância, cibersegurança para proteger serviços públicos essenciais, segurança no transporte, centros de comando e controle para situações de emergência, alertas públicos para casos de pessoas desaparecidas, sistemas de localização via GPS e videovigilância para proteção de patrimônio e infraestruturas.
Quando aborda a questão dos serviços de saúde, a cidade deve incluir a prevenção, assistência a idosos, doentes crônicos e grupos vulneráveis. A tecnologia também pode ser usada para melhorar a gestão dos serviços de saúde, oferecendo teleassistência, programas de saúde, acesso online a registros médicos e informações clínicas, além de promover a eficiência no atendimento e na prevenção de doenças.
A educação também é um elemento essencial para o bom funcionamento da cidade e qualidade de vida dos seus cidadãos. Ela deve oferecer uma ampla gama de programas educacionais e culturais que incluem desde a educação infantil até cursos de música, dança, informática, línguas estrangeiras, empreendedorismo e muito mais. Além disso, o foco está na promoção de habilidades digitais e na educação para a criatividade e inovação urbana, usando ferramentas digitais como tablets e computadores em instituições de ensino infantil, bem como oferecendo cursos online massivos e abertos (MOOCs) por meio de plataformas educacionais.
No contexto econômico, há uma ênfase na implementação de e-business e e-commerce em nível urbano, bem como novos modelos de produção e entrega de serviços, impulsionados pelas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Isso envolve a criação de ecossistemas empresariais e clusters urbanos em torno de negócios digitais e empreendedorismo, conectando-se local e globalmente com fluxos de bens, serviços e conhecimento. As oportunidades da economia inteligente incluem painéis digitais que fornecem informações relevantes para cidadãos e visitantes, ofertas comerciais em tempo real nas proximidades, serviços de apoio para empreendedores e empresas que vendem online, acesso à Internet oferecido por empresas locais como ferramentas de marketing, aplicativos que proporcionam ofertas personalizadas, informações de tráfego para adaptação de serviços urbanos e promoção do comércio da cidade. Além disso, a economia inteligente abrange serviços de informação turística, reservas online, recomendações, gerenciamento de incidentes, sugestões e reclamações, bem como redes de dados seguras e confiáveis para empresas e serviços municipais com altas demandas de segurança. Esses elementos contribuem para uma economia urbana mais eficiente e conectada, impulsionada pela tecnologia.
Por último, a vertente de governança. De acordo com o texto, uma administração urbana ideal seria com a participação dos cidadãos. Isso resulta na necessidade de adotar um governo inteligente e integrado, apoiado pela tecnologia, processos inteligentes e interoperabilidade. A colaboração entre governos, setor público e privado e atores locais é fundamental. O “governo inteligente” deve envolver a transparência, dados abertos e participação cidadã por meio de tecnologias digitais. Para alcançar esse objetivo, as cidades utilizam sistemas tecnológicos, incluindo a gestão digital do patrimônio cultural, comunicação municipal aberta e a criação de plataformas integradoras para monitorar e gerenciar diversos aspectos da cidade. (FGV, 2016)
Talvez exatamente por seu caráter utópico, não exista nenhuma cidade até hoje que concretize essa ambição. E por mais que existam alguns exemplos de cidades que buscam adotar essas práticas ou que já possuam alguns desses elementos tech - como é o caso de Singapura que busca até 2030, se tornar a cidade mais inteligente do mundo -, o Smart está ainda não foi alcançado por completo, mas sim é visto como um modelo ideal a ser seguido.
Existem autores, no entanto, que acreditam que essa concretização nunca irá acontecer. Isso não somente por seu caráter utópico, mas sim porque o que move esse desenvolvimento não é a vontade incessante de um mundo melhor para os cidadãos, mas sim por uma demanda do capital. Evgeny Morozov afirma como:
“(...) vai ficando mais evidente conforme se percebe que em geral a história desse conceito - (Smart City) - é contada em poucas e breves frases impressas em curtos folhetos publicitários de serviços corporativos (...) despidas de toda política e de vozes de contestação, essas narrativas celebram a marcha inexorável do progresso e da inovação, bastante acelerada pelo engenho e pela inventividade do setor privado.” (MOROZOV, 2019, p. 24)
Ele ainda a relaciona ao neoliberalismo, como sendo fruto dele. Pontuando que a tendência das cidades inteligentes está muito mais guiada pelas agências de riscos do que por uma necessidade local. Em muitos casos a cidade não se transforma em uma Smart City necessariamente por um desejo racional, mas sim para que se torne mais atrativo no mercado internacional, gerando mais recursos financeiros para administração da cidade.
André Deak, professor e doutor pela FAU USP, também destaca que em sua entrevista como devemos questionar de onde vem essa tecnologia e enfatiza a importância de ter um olhar crítico para ela:
“Enquanto companhias privadas estiverem à frente do desenvolvimento das cidades, caberá à pressão popular ou às negociações públicas fazerem com que existam contrapartidas ou salvaguardas que garantam mais inclusão. O mais comum é o oposto: que as empresas que vendem produtos de cidades inteligentes se apropriem de ideias transformadoras das cidades em nome do lucro.” (DEAK, 2023).
Outro elemento que surge no cenário neoliberal é o rankeamento da qualidade das coisas na administração da cidade. Em um ambiente urbano convencional os dados para essas medidas não são precisos. Porém, com as smart cities quantificar a eficácia de uma cidade se torna possível.
Nas últimas décadas houve uma ascensão dos ideais neoliberais no ocidente, que desencadeou um crescimento do peso do setor financeiro muito maior do que as demais áreas da sociedade. As parcerias público-privadas derivam desse cenário e são essenciais para esse debate. Ao contratar uma empresa, o governo transfere questões sociais e políticas, como educação, saúde e sistema carcerário, para a lógica de mercado. As empresas, por sua vez, estão focadas em alcançar as metas estabelecidas e não nas necessidades da população. Com isso, essas demandas são retiradas da política e se tornam um acordo contratual entre a empresa em questão e o Estado.
No entanto, também deve ser apontado o que um contrato de impacto social pode oferecer de positivo. Ele possibilita a capacidade de vigilância contínua ao uso de recursos administrativos, buscando extrair o máximo de valor possível. Além disso, caso o monitoramento não seja suficiente para demonstrar o alcance das metas estabelecidas, pode ser vantajoso utilizar as estatísticas precisas produzidas, permitindo à entidade alegar o cumprimento das metas e viabilizando a solicitação de pagamento dos valores acordados.
Ainda sim, uma desvantagem desse modelo organizacional é a falta de segurança e planejamento de longo prazo, ao ponto que a empresa que presta o determinado serviço pode abandoná-lo a partir do ponto que tal ação não se torna mais vantajosa financeiramente. (MOROZOV, 2019)
Isso também leva ao debate sobre a captação de dados. Em todos os sistemas Smart, um dos elementos centrais é o uso dos dados para transformar informação em gestão. Porém, como destaca André Deak, a decisão de captar dados não é neutra. E, enquanto ele continuar a ser um produto com retorno financeiro, não há certeza de que estão seguros e que não irão ser vazados em algum momento. Para isso, talvez devamos considerar tornar a produção de dados acessível ao público e desprovidos de informações pessoais identificáveis.
Seria possível então existir uma Smart City que não seja um produto neoliberal e que realmente seja movida pelos interesses para a população e não pelo capital?
De acordo com Francisca Bria, economista italiana autora do livro “Cidades Inteligentes”, movimentos coletivos que surgem da esfera pública pela luta contra a privatização e anti-austeridade, são o tipo de ação que possibilita a construção de cidades com infraestrutura para todos. Políticas públicas devem constar a ‘smart city’ privatizada e construída de cima para baixo.
A democracia em uma cidade significa dar acesso para todos a todas as informações, ou seja, conhecimento comum, dados abertos e a infraestrutura urbana como forma de vida melhor e de serviços públicos melhores, mais baratos e mais justos. (BRIA). A inserção da tecnologia na cidade não deve ser contida pelo poder de grandes multinacionais prestadoras de serviços, mas sim adotando pré-requisitos de padrões e estruturas livres de software que irão fielmente buscar por aderir pautas realmente democráticas.
Para que isso seja possível, a autora levanta uma pauta de transformação para um cidade tecnológica não neoliberal:
1. Incentivo a regimes alternativos de propriedade de dados
Aprimoramento do ecossistema tecnológico de forma a torná-lo mais homogêneo. Desta forma, diferentes dados, que atualmente não são equivalentes, podem ser comparados. O incentivo de programas legais, econômicos e de governança que incentivem comportamento coletivo que, por sua vez, estimulam o acesso aberto digital. O que impede os serviços locais de se desenvolverem ao nível de competir com grandes corporações como a Uber é a falta de acesso aos dados brutos que, por mais que vivemos em um momento com crescimento exponencial desses dados, eles estão dispersos parte pela internet, parte em diferentes empresas de consultoria. Dessa forma, o conhecimento está distribuído, e não centralizado. Para solucionar isso, deve ser construída uma economia de compartilhamento baseada em bens comuns e que os dados sejam reunidos pelos próprios cidadãos e por redes públicas de sensores.
2. Realocação de serviços de informação para plataformas de código e padrão abertos e adoção de soluções ágeis de entrega
Dadas as significativas mudanças digitais nas cidades, incluindo a implementação de serviços digitais estratégicos nas áreas de habitação, transição energética e mobilidade, as estruturas legais e de políticas públicas devem ser mais transparentes e participativas, ao mesmo tempo em que atualizam as infraestruturas digitais para atender melhor às necessidades dos cidadãos. O texto enfatiza a importância de serviços públicos serem digitais, ágeis, acessíveis e abertos, evitando soluções proprietárias. Também destaca a necessidade de formar alianças, diversificar fornecedores de tecnologia e adotar práticas éticas na aquisição de tecnologias. Além disso, menciona o movimento em direção a softwares livres, códigos abertos e padrões abertos nas cidades, promovendo a colaboração e a inovação entre as autoridades locais.
3. Transformação das contratações públicas a fim de torná-las éticas, sustentáveis e geradoras de inovação
Os contratos públicos desempenham um papel crucial na economia europeia, representando 17% do PIB da região. O uso estratégico desses contratos pode ter um impacto significativo, promovendo a inclusão de produtos e serviços de código aberto, focando em inovação sustentável e inclusão. Isso envolve a incorporação de elementos inovadores nos processos de compra pública, a inclusão de tecnologias como o software de código aberto e a promoção de padrões abertos e interoperabilidade. As diretrizes de contratação adotadas pelo Parlamento Europeu em 2014 visam aumentar a flexibilidade e simplificação dos procedimentos, bem como promover parcerias para a inovação. O objetivo final dessas transformações nos contratos públicos é garantir um uso mais estratégico e transparente dos recursos públicos, incentivar a inovação governamental, melhorar a qualidade dos serviços públicos e facilitar o acesso a contratos públicos para micro e pequenas empresas, com o objetivo de impulsionar a criação de empregos de qualidade.
4. Controle das plataformas digitais
As plataformas sob demanda (como Uber, Lyft e Airbnb), estão crescendo rapidamente e perturbando setores sociais, desafiando regulamentações e desencadeando preocupações sobre o futuro da economia sob demanda na Europa, especialmente em meio à crescente automação e ao desemprego. Algumas cidades estão experimentando políticas públicas inovadoras, para enfrentar os desafios da economia informal. Além disso, essas cidades buscam regulamentar de forma justa as grandes plataformas digitais e garantir transparência nos algoritmos para evitar discriminação. A economia sob demanda também levanta preocupações sobre o desemprego e a precarização do trabalho, levando algumas cidades a buscar maneiras de regulamentar empresas como Uber e Airbnb. A necessidade de acesso a dados brutos e o estímulo a plataformas abertas e descentralizadas de dados são abordadas como fundamentais para competir com essas empresas. O futuro da economia compartilhada envolve o controle das cidades sobre as plataformas digitais e o apoio a alternativas, como cooperativas e modelos circulares, bem como o desenvolvimento de cidades inovadoras e uma economia baseada em dados abertos.
5. Construção de infraestruturas digitais urbanas alternativas
Muitas cidades ao redor do mundo estão investindo em infraestruturas de banda larga para garantir acesso igualitário à conectividade e resistir às ameaças à neutralidade da rede. Isso as leva a se tornarem mais proativas no fornecimento de infraestruturas neutras e de banda larga, bem como a implementar infraestruturas digitais descentralizadas alternativas. No entanto, a arquitetura da internet está evoluindo em direção a modelos centralizados e proprietários, e muitos projetos de smart cities são dominados por agentes corporativos, aumentando preocupações com a vigilância. Para enfrentar esses desafios, as smart cities precisam ser sistemas abertos e flexíveis que priorizem as necessidades dos cidadãos, envolvendo-os no planejamento e na construção de infraestruturas e serviços digitais interoperáveis. Investimentos públicos regionais e uma abordagem sistêmica são essenciais nesse processo, com exemplos de programas da Comissão Europeia que apoiam iniciativas colaborativas e alternativas ao controle americano na internet.
6. Desenvolvimento de modelos cooperativos de fornecimento de serviços
Apesar da falta de apoio governamental, empreendimentos sociais e tecnológicos estão cada vez mais abordando questões sociais, como saúde pública, democracia, consumo responsável e transparência, por meio do desenvolvimento de infraestruturas digitais abertas. Enquanto gigantes da economia sob demanda como Uber e Airbnb dominam o mercado global, muitas pessoas buscam modelos econômicos alternativos, como cooperativas de plataforma, que evitem a extração de dados por monopólios de plataforma e promovam a propriedade e a gestão democráticas dos trabalhadores. Algumas cidades estão apoiando essas iniciativas, facilitando acesso a financiamento público, promovendo regulamentações favoráveis e incentivando padrões abertos e economia colaborativa. Essas alternativas de cooperação visam criar uma economia mais democrática e duradoura, administrando recursos públicos de forma democrática em oposição aos sistemas privados de rede orientados pelo mercado.
7. Potencialização de inovações com valor social
Para impulsionar inovações sociais e democratizar o acesso e controle das tecnologias digitais, as cidades devem considerar o apoio a comunidades de inovadores e startups, bem como promover modelos cooperativos alternativos para a prestação de serviços. Isso requer uma reavaliação da relação entre os setores público e privado, possibilitando que o setor público direcione a inovação e compartilhe os retornos dos investimentos públicos em pesquisa e inovação. Além disso, programas de apoio focados em micro e pequenas empresas de inovação podem ser mais eficazes do que corporações de tecnologia gigantes. As cidades podem criar instrumentos específicos, como parcerias, fundos de inovação e contratações públicas de inovação, para apoiar empreendimentos de pequeno e médio porte, tornando-os menos dependentes do capital financeiro volátil. Exemplos de programas e iniciativas nesse sentido incluem agências de desenvolvimento econômico, plataformas municipais de startups, redes de coworking, e parcerias entre startups e órgãos de administração pública para desenvolver soluções para problemas sociais.
8. Reavaliação de esquemas de bem-estar social e sistemas monetários complementares locais
Os avanços tecnológicos e os novos modelos de negócios baseados em plataformas estão reconfigurando o mercado de trabalho, tornando algumas ocupações obsoletas e criando novas oportunidades. Nesse contexto, governos e empresas de tecnologia estão explorando a ideia da renda básica como uma possível solução para o desemprego e as mudanças na previdência social, visando proteger as pessoas que podem perder seus empregos devido à automação e à eficiência das máquinas. Esses experimentos incluem transferências de dinheiro e modelos que consideram a renda básica como um dividendo pelo uso de tecnologia avançada. Além disso, as cidades estão realizando experimentos com moedas locais e complementares para fortalecer as economias locais, promovendo redes descentralizadas de troca de serviços e mercadorias. Essas iniciativas incentivam a interação, as trocas e a produção local, estimulando uma economia colaborativa e voltada para o bem-estar da comunidade.
9. Incentivo a democracia e a soberania digital
As ferramentas digitais de participação estão moldando uma nova era de inovação democrática, com cidades empenhadas em desenvolver modelos organizacionais que envolvam os cidadãos na elaboração de políticas e aprimorem os processos de participação cidadã. Essa mudança envolve o uso da tecnologia para promover a democracia ativa e inclusiva, incentivando o engajamento dos cidadãos em ambientes virtuais seguros e abertos. Movimentos jovens em todo o mundo, desiludidos com as instituições tradicionais, buscam novas práticas responsáveis e um fim para a corrupção institucional, criando uma oportunidade para políticas do século XXI que atendam às aspirações das gerações mais jovens. As cidades estão se unindo em debates sobre o fortalecimento da soberania tecnológica, envolvendo agentes econômicos, sociais e cidadãos na formulação de estratégias tecnológicas. Além disso, a proteção dos direitos digitais, como a privacidade e a liberdade de expressão, é fundamental para garantir a liberdade na sociedade da informação e prevenir formas perigosas de controle social, político ou institucional.
Com base nos conceitos levantados por Francisca Bria e nas definições do livro da Faculdade Getúlio Vargas, foi elaborado um projeto de Cidade Inteligente aplicado em São Paulo.